A sabedoria de calibrar o estilo de gestão | FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público

Por Daniel Quintana Sperb

 

Antes de pensar em inovação, inteligência artificial generativa ou “modelos de negócio do futuro”, muitos executivos empresariais precisam, com urgência, dar um passo atrás, rever conceitos básicos e lembrar que, por trás de qualquer transformação, existe um princípio frequentemente negligenciado: a liderança.

A liderança é uma das ferramentas mais baratas e poderosas para escalar qualquer organização. O problema é que muitos líderes corporativos ainda operam com a lógica inversa, só contratam depois que crescem e só estruturam depois que colapsam.

Ignoram a relação de causa e efeito mais óbvia da gestão: o crescimento sustentável começa dentro, não fora. Começa quando se forma um time bem alinhado, com processos claros, comunicação direta e liderança madura.

A execução consistente desses processos é o que faz uma empresa crescer. E, quando cresce, ela contrata melhor, entrega mais e atrai talentos, criando um ciclo virtuoso que não nasce do orçamento, mas da liderança.

Quem supõe não entrega

Em muitas empresas, a liderança virou “telepatia”. Supõe-se que o time entendeu a estratégia, que os prazos estão claros, que todos compartilham as mesmas informações, mas ninguém checou, ninguém perguntou, ninguém confirmou.

Essa cultura do subentender é um veneno silencioso que corrói a performance, distorce expectativas e afasta talentos.

O pior veneno é o que vem travestido de gentileza. O líder “bonzinho” pode ser tão tóxico para uma empresa quanto o autoritário. Um é omisso e o outro tirano. O opressor é refém da própria insegurança, controla pelo medo, humilha e confunde rigidez com liderança.

Já o bonzinho é refém do ego, busca aprovação a qualquer preço, coloca sua necessidade de aceitação acima da responsabilidade com a organização. No fim, ambos destroem valor, apenas com métodos diferentes.

O líder bonzinho foge do desconforto, compromete resultados e sufoca o desenvolvimento da equipe. Não dá feedback, não corrige, não desafia.

O líder opressor faz o oposto, centraliza, microgerencia, desautoriza em público e toma decisões baseadas no medo, não em dados. Em vez de desenvolver, infantiliza o time.

A omissão de feedback é um dos erros mais caros da gestão corporativa.

Feedback sem dados é apenas opinião, e opinião, por mais bem-intencionada que seja, não corrige comportamento nem melhora desempenho. A cultura de alta performance começa na honestidade, não na conivência.

Gestor tóxico

Você já percebeu como uma liderança tóxica gera um turnover elevado em todos os níveis, de analistas a diretores? Esse tipo de gestor raramente reconhece o mérito do time. Seu padrão é criticar e expor, nunca desenvolver.

Não por acaso, é raro encontrar equipes longevas e de alto rendimento sob esse tipo de liderança. Os melhores não permanecem.

Primeiro, perde-se talento, depois, de forma silenciosa, perde-se a memória organizacional. E quando o conhecimento coletivo se dissolve, a empresa descobre, tarde demais, que processos e áreas antes exemplares começam a andar para trás.

Com a rotatividade crescente, o que se vê são os famosos “voos de galinha”: resultados curtos, instabilidade a médio prazo e, no longo, a inevitável perda de tamanho e relevância.

Não é coincidência que gestores tóxicos evitem expor dados de turnover, afinal, quase sempre são eles o epicentro da fuga de talentos.

Calibrar para liderar

Não existe estilo de liderança universalmente eficaz, ele depende diretamente do nível de maturidade da equipe. Na gestão corporativa, o erro é frequente.

Executivos e diretores muitas vezes aplicam liderança liberal a gestores, coordenadores e supervisores imaturos, acreditando que autonomia trará comprometimento. O resultado é previsível: reuniões improdutivas, decisões arrastadas e execução confusa.

Na outra ponta, vemos áreas já maduras, alinhadas a processos e indicadores, sendo sufocadas por microgestão e centralização. É a forma mais rápida de desmotivar, perder talentos e travar avanços organizacionais.

Liderar bem é calibrar o estilo. Não é falar no mesmo tom para públicos diferentes, é compreender que cada liderado exige um tipo de condução. O gestor que não entende isso cria ruído, desperdiça energia e, cedo ou tarde, compromete resultados.

Considerações finais

A verdadeira transformação que as empresas tanto buscam não está em um software revolucionário ou em um modismo de gestão. Está, sim, em uma decisão humana, corajosa e fundamental: a decisão de liderar.

A “chave” que precisa ser virada não é a de um sistema, mas a da mentalidade. É abandonar a cultura do “supor” e abraçar a cultura da clareza. É trocar a gentileza vazia e a opressão disfuncional pela coragem do feedback honesto e baseado em dados.

É ensinar o time a responder com segurança o “quando o problema será resolvido”. É substituir a liderança única e rígida pela sabedoria de calibrar o estilo de gestão, desenvolvendo pessoas e times para que a empresa cresça de dentro para fora.

Liderar não é sobre adivinhar o futuro, mas sobre criá-lo com as ferramentas mais poderosas e acessíveis que existem: comunicação direta, responsabilidade compartilhada e execução consistente.

O ciclo virtuoso de crescimento, atração de talentos e inovação sustentável não nasce de um decreto nem de um investimento milionário, nasce de uma liderança que assume o papel de piloto, ajusta os instrumentos e coloca a organização no rumo certo.

A questão não é se sua empresa está pronta para o futuro, é se você, gestor, está disposto a parar de supor, assumir o controle e conduzir sua organização ao próximo nível.

 

Artigo adaptado da versão original da Revista Ensino Superior.

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